I - A Viagem (Lisboa/Luanda/Zemba)

A viagem

“Notava-se ao canto dos olhos um vestígio de lágrimas, o pior como não podia deixar de ser eram as esposas e namoradas, cerca das 22 horas chamaram-nos e então foi o ultimo adeus, um último abraço um último beijo, e lá entramos para o ventre daquela ave gigante” (in diário pessoal(*)). Para a grande maioria, senão mesmo para a totalidade de todos os camaradas de armas, este foi o seu baptismo de voo, pois até então, o envio de militares para África era efectuado por via marítima, o nosso Batalhão foi o segundo ou terceiro a utilizar a via aérea.


Assim, pelas 23 horas do dia 3 de Junho de 1972, a Companhia de Comandos e Serviços (CCS), do Batalhão de Caçadores 3880, BC3880, embarcava no Boing 707 da TAP rumo a Angola onde chegou pelas 7h30 do dia seguinte, depois de termos tomado o pequeno almoço a bordo, coisa muito fina para a época.

Uma vez na sala de espera, dirigi-me ao wc para urinar, porem como fui sempre muito curioso e como não nos deixavam chegar à porta de saída para espreitar o exterior, então resolvi dentro do wc, espreitar por uma abertura junto ao tecto pelo que coloquei os pés em cima da sanita esperando desta forma ver não sei bem o quê, mas certamente toda a província por aquela pequena abertura, acontece que a sanita não aguentou e lá vou eu para ao chão, fiando a sanita para um lado e os tubos para o outro e a água a correr, eu como nunca gostei de encrencas, endireitei o melhor possível a sanita, e sai muito sorrateiramente e misturei-me com os restantes camaradas. Por isso, tenham cuidado, se forem ao aeroporto de Luanda, antigo aeroporto Craveiro Lopes, tenham cuidados, pode ainda estar lá uma sanita em mau estado de conservação.

Por volta das 10 horas lá nos meteram nuns veículos de mercadorias, com taipais, e encaminharam-nos para o Grafinil, onde fomos instalados, sendo que as instalações dos oficiais e sargentos eram boas, porem a dos saldados eram autênticas pocilgas. Alem disso, existia uma pequena camada de terra de cor avermelhada, que se nos colava ao corpo, as primeiras impressões de Angola não estavam a ser as melhores.
Após almoço numa das messes de Sargentos, apanhamos a “maxibombo” para a baixa da cidade e cerca das 15h15 já este “artista” estava sentado numa esplanada de Lunada a escrever o seu primeiro aerograma para a família, segundo o qual as primeiras impressões desta nova realidade foram maravilhosas, pois na verdade a cidade não tinha nada a ver com o Grafanil.

Durante essa tarde e noite foi de descoberta da cidade, principalmente da zona da baixa, indo jantar na messe de Sargentos sita na Av. Heróis do Ultramar, onde comi um mísero jantar que nos custou 12$50, sem bebidas incluídas.

Ao terceiro dia estive de Sargento de dia, no quarto fomos todos vacinados contra nem sei o quê, só sei que foi de deitar abaixo, deu-nos um grande abalo.

No dia 8 de Junho de 1972, após a distribuição de armamento, ai pelas 4 horas da manhã embarcamos em camiões com taipais, onde iam todos ao monte, pois eram as malas com as nossa roupas, o armamento e cerca de 10 a 15 pessoas, a minha viatura era a segunda, e a minha grande preocupação era o de estarmos sempre em alerta, não fosse aparecer um “turra”.

Saindo do Grafanil, passamos pelo meio da cidade ainda adormecida, via Caquaco, a minha cabeça estava cheia de perguntas e a dos meus camaradas certamente que também, para onde íamos, onde ficava o nosso quartel, como era ele, o que nos esperava, seriamos atacados pelo caminho? Enfim perguntas sobre as quais ninguém tinha respostas, pois nesses tempos tudo era feito na base de secretismo, só as altas patentes sabiam a resposta mas esses não falavam.

Entramos na estrada que liga Luanda a Caxito e Carmona ao romper do sol, foi um dia cansativo, ai pelas 9 horas começamos a ser escoltados por uma coluna militar, pois a zona de segurança tinha terminado. Fomos tratado como “maçaricos” pelos respectivos elementos que nestas coisas de tropa um dia que seja, há logo uma certa hierarquia, na traça de palavras entre eles e nós a grande preocupação nossa era saber o que nos esperava, enquanto eles tentavam saber noticias do “puto” (era assim que todos os militares tratavam Portugal.

Seguimos pela estrada do Ambrizete, para onde todos pensávamos ir, porem com tristeza nossa, rapidamente deixamos essa estrada e entramos na estrada de Carmona, passamos pela fazenda Tentativa e rapidamente chegamos à ponte do Dange, a seguir ao Piri, deixamos de ter estrada alcatroada e entramos em picada, passamos pela pedra verde na zona dos Dembos, considerada uma das zonas pais perigosas. 

Chegamos a Macondo cerca das 14 horas, depois de nos maravilharmos com a paisagem, autêntica floresta virgem com a macacada saltando de árvore em árvore, neste quartel iria ficar uma companhia operacional do nosso Batalhão.
Passamos o Quincuso e finalmente Santa Eulália que todos nós pensarmos que já se tratava do nosso Quartel, Zemba, porém para grande desilusão nossa ainda não era aqui o nosso quartel até porque Santa Eulália era um grande Quartel e era nada mais nada menos que o Comando Sectorial Norte AM1, pelas 16 horas saímos deste quartel, finalmente com destino a Zemba que distava cerca de 20 kilometros, sendo que a estrada a partir daqui era praticamente intransitável, com locais em que a floresta quase engolia a estrada, locais em que um guerrilheiro poderia deitar a mão a um “maçarico” sem que alguém desse por isso, era uma caminho extremamente perigoso, devo dizer que durante um ano efectuei esta viagem centenas de vezes, sem nunca ter havido qualquer problema, ou ataque.

Pelas 17 horas, um pouco antes do sol se pôr, avistamos as primeiras casa de Zemba, em vez de casas devo dizer barracões, pois todos os edifícios eram construídos em tábua, com telhados de zinco, tipo quartéis americanos. 
A recepção por parte dos velhinhos foi qualquer coisa de extraordinários, eles eram velhos encostados a cajados, eles eram PM’s’. Ainda dentro do camião, o Coimbra, um soldados do meu pelotão, ao descarregar a arma, deu um tiro para o ar, que me passou a centímetros da cabeça, foi a risada geral. Para todos menos para mim, pois até senti a calor do tiro.

Já era noite cerrada quando depois de arranjar cama, e jantar, tivemos um espectáculo organizado pelos velhinhos, onde havia de tudo, anedotas, canções, etc. havendo uma que nos ficou na memória “maçarico, ó maçarico, estamos fartos da picada”, deitei-me pelas 22 horas, pois o dia tinha sido longo. Por volta das 4 ou 5 horas da manhã a CCS do batalhão 3840, que nós vínhamos render, partiu para um novo local, fazenda Tentativa, um verdadeiro centro de férias.

Se para uns era alegria, os velhinhos, para os “maçaricos”, nós, era uma tristeza pois sabíamos que no mínimo iríamos estar ali durante os próximos 12 meses, metidos naquele buraco com o nome de Zemba.
(Continua ...)
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(*) É a partir deste diário pessoal, que me acompanhou desde o primeiro dia de recruta e dos aerogramas enviados para a família que foi possível descrever esta nossa aventura)
Nota: as palavras entre aspas " ", corresponde á mentalidade existente na da époco, não correspondendo à vigente.

1 comentário:

jotaeme disse...

OLá Companheiro Paixão: Pois foi com grande satisfação que recebi a tua notificação para o teu "Blog", que incide numa temática que sempre me interessou e é curioso, já estive para o fazer, mas nos meus dois blogs que vou tendo, pelo menos tenho feito alguns relatos acerca desses 27 meses de "Férias".
Podes se quiseres consultar estes dois espaços, ou seja:
1º Blog: "CONTRAPONTO" http://jorgebloguer.blogs.sapo.pt / e o 2ª Blog: "WORDS AND FEELINGS" http://jotamadureira.blogspot.com /
e poderás lá recolher o que necessitares para para compilar no 3880!
Mais uma assinalo a minha satisfação, já te adicionei nos meus Favoritos e no Link do Blog!
Com que então o meu Amigo, fez um diário,, naqueles dias! Quem diria! Eu apenas memorizei mas prometo ajudar com novas ideias e visões do que foi ou foram aqueles dias 1972/74.
Um abraço,
jorge maduerira